O Atendimento Educacional Especializado
 

Este texto deseja propor uma reflexão a respeito do trabalho do Atendimento Educacional Especializado – AEE, na sala de recursos multifuncional, e o estabelecimento de uma rede de parcerias que contribua para uma compreensão e intervenção aprofundadas para a resolução de  barreiras enfrentadas pelos alunos com deficiência física, na perspectiva da educação inclusiva. Para dar início a esta reflexão podemos afirmar que a atribuição maior do AEE é a de identificar os obstáculos que impedem ou limitam o aluno de participar e de se desafiar para alcançar os objetivos educacionais propostos pela escola e, por fim, construir as condições necessárias para a superação destes obstáculos. Esta é uma pretensão e tanto e certamente o professor do AEE poderá sentir-se solitário e com necessidade de conhecimentos e parcerias complementares.

 

Garantir as condições de acessibilidade é uma parte importante do processo de inclusão dos alunos com deficiência e, neste empenho, estarão envolvidos o próprio aluno, seus familiares, os gestores das redes de educação, os gestores e professores da escola comum, além de outros profissionais que poderão contribuir com informações, conhecimentos e experiências que venham subsidiar e qualificar o atendimento ao aluno.

Devemos destacar também que o AEE tem por atribuição a Educação para a Autonomia e isto significa muito mais do que dar acesso e ajudar o aluno com deficiência a desempenhar de forma mais independente possível as várias tarefas do cotidiano escolar.

Podemos dizer que a autonomia diz respeito a gerenciar a própria vida. A autonomia nos faz tomar decisões para nós mesmos, sempre lembrando que estamos em relação com os outros. Durante nosso percurso de vida, desde que nascemos até a velhice, vivenciamos diferentes níveis de autonomia. Temos consciência que nossas decisões repercutem no meio em que vivemos e sobre aqueles que estão conosco.

Mesmo quando dependemos de cuidados, por situação de saúde, por exemplo, podemos nos posicionar se e quando queremos este apoio, por quem e como queremos ser ajudados. Podemos ser dependentes e ao mesmo tempo autônomos.

A autonomia é conquistada e não é uma qualidade frequentemente observada nas pessoas com deficiência. Muitos são os que pensam e decidem por essas pessoas, muitos são aqueles que definem o que é melhor e como elas devem agir. O conhecimento de profissionais especializados no campo da saúde ou educação das pessoas com deficiência frequentemente classifica, padroniza intervenções, determina prognósticos e muitas vezes desconsidera, neste processo, o sujeito para o qual deveria servir.

 Os livros não trazem o conhecimento que é próprio do sujeito que será atendido no AEE: de como ele se sente diante das barreiras que encontra e que limitam sua participação e inclusão; de como já consegue superá-las por conta do desenvolvimento de estratégias pessoais, criadas pela necessidade; das dificuldades e habilidades reais que percebe em si, no seu dia a dia; das prioridades que deseja estabelecer para si, porque fazem sentido e porque pretende perseguir em seu processo educacional.

Seremos capazes de construir os objetivos educacionais do plano de AEE escutando inicialmente o aluno?

Conseguiremos apoiá-lo a fim de que desenvolva a habilidade de manifestar com clareza quais são as barreiras que prioritariamente ele deseja superar?

Quando o aluno não fala, seremos capazes de observá-lo no contexto escolar e entender suas linguagens alternativas, como a manifestação de desconforto em determinadas situações, expressões faciais e corporais, gestos, sons? Saberemos perguntar a ele o que está bem e o que pretende melhorar e aguardar sua resposta, mesmo que ela não se articule da forma tradicional com as palavras SIM e NÃO?

Antes de discutir a importância do trabalho interdisciplinar e da formação de uma rede de inteligências para a resolução de problemas, no AEE, precisaremos garantir que todo o trabalho de equipe sirva a uma pretensão real do nosso aluno. Desta forma, estaremos educando-o para a autonomia. Ele será o ator principal de suas ações, mesmo que necessite de apoio de recursos ou de outras pessoas.

Num processo de avaliação, o professor do AEE realizará uma observação atenta da realidade vivenciada pelo aluno com deficiência. O próprio aluno o ajudará a identificar as reais barreiras que enfrenta no cotidiano escolar.

Diante do “caso real”, o professor do AEE irá identificar aquilo que conhece e que poderá ser uma ajuda importante para resolução dos problemas que se apresentam e também deverá identificar aquilo que não conhece e precisa aprofundar a partir de estudos ou talvez contatos com outros colegas, gestores, profissionais de outras áreas.

Cada barreira ou cada problema identificado deve transformar-se em “objetivo de intervenção” no plano de atendimento educacional especializado e, com objetivos claros, será possível a proposição de ações. Junto ao aluno, o professor do AEE experimentará várias alternativas de estratégias e recursos para que as barreiras ao aprendizado sejam rompidas e será o próprio aluno que colaborará de maneira definitiva para a escolha do recursos apropriado à sua necessidade.

Certamente, o AEE não é a aplicação de um conhecimento da educação especial que servirá a um aluno, tendo por base a sua deficiência. O AEE não se faz para o aluno e sim com o aluno, ele deve ser o protagonista. Educadores e outros especialistas contribuirão com conhecimentos para a formação do aluno, a fim de que ele possa, com a apropriação destes conhecimentos, utilizá-los em prol de seu desenvolvimento. Assim ele viverá a autonomia.

Partindo dessa premissa que coloca o aluno como protagonista das as ações do AEE, passaremos a discutir a composição de uma rede de conhecimentos que poderá se estabelecer, a partir do estudo de casos.

A família, se não é, deverá se tornar uma grande aliada do professor do AEE. Muitos conhecimentos e soluções já estão na família, na forma com que ela já vivencia e supera dificuldades de comunicação, mobilidade, alimentação, cuidados pessoais, enfrentamento de barreiras arquitetônicas, etc. Da mesma forma, na manifestação das dificuldades e privações que vivenciam no dia a dia. A família traz outras informações, como por exemplo, a história de vida e desenvolvimento, os profissionais que estão envolvidos na habilitação ou reabilitação do aluno, os tipos de atendimento ou tratamento que fez ou está fazendo, entre outros.

Com estas informações, o professor do AEE terá indicações de quais são as pessoas com quem poderá contatar para estabelecer uma rede de apoio.

Mas afinal, o que seria esta rede de apoio? Nada mais é do que a equipe de trabalho que atua com o aluno  em diferentes momentos. Ela poderá ter, entre os seus integrantes, todos os profissionais da escola, envolvendo gestores, educadores, funcionários, colegas e também profissionais da área de saúde como fonoaudiólogo, neurologista, psicólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, ortopedista. A equipe poderá contar ainda com técnicos de informática, designers, engenheiros, marceneiros. Enfim, a equipe se forma naturalmente a partir da demanda identificada a cada caso.

No trabalho de equipe, cada componente apresenta elementos importantes para que se possa conhecer com maior profundidade as necessidades do aluno, do seu contexto escolar e familiar. O conhecimento interdisciplinar ajudará o professor do AEE a propor, junto com o aluno, os objetivos para o Plano de AEE, de forma que estes contemplem suas necessidades, ampliem as suas habilidades, promovam sempre sua autonomia e proporcionem ao aluno com deficiência o acesso aos conhecimentos formais, em igualdade de condições com seus pares.

Em rede colaborativa de apoio, todos os atores, cada um na sua ação e espaço específicos, exercem um papel primordial. A escolha por exemplo, do melhor recurso de tecnologia assistiva que apoiará o aluno nas várias atividades propostas pela escola depende do envolvimento dos diversos atores.

Cada rede de ensino pode, a partir de sua realidade, identificar os parceiros para um trabalho colaborativo: ações intersetoriais entre secretarias de educação, saúde e assistência social; apoio das secretarias de obras (visando a acessibilidade urbana e da própria escola); apoio da secretaria de transporte; parcerias com universidades para trabalhos de pesquisa e extensão em diversas áreas do conhecimento como terapia ocupacional, fonoaudiologia, fisioterapia, engenharia, arquitetura, informática, entre outros.

Para uma melhor compreensão, podemos fazer um ensaio sobre a atuação de alguns dos profissionais que poderão estar envolvidos na rede de apoio.

Professores do AEE– primeiramente, este profissional tem a responsabilidade de estabelecer o contato inicial com o aluno, com sua família e com cada profissional das diferentes áreas do conhecimento que entende ser necessário integrar em rede colaborativa de trabalho. Fará a relação com as demais áreas de conhecimento propondo intervenções no âmbito da educação, com foco no potencial do aluno, proporcionando atividades no AEE que possibilitem a ampliação da participação deste aluno nos desafios educacionais e na perspectiva inclusiva. Organizará e estabelecerá os encontros necessários entre os profissionais durante o processo de avaliação e definição do recurso de tecnologia assistiva que servirá ao aluno e, posteriormente, fará a confecção, a adequação de algum recurso já existente ou a solicitação de compra.

O professor do AEE discutirá, também, com o professor de sala de aula o seu planejamento sugerindo diferentes estratégias e recursos para cada tarefa a ser realizada. Por meio de formações, grupos de estudo, orientações, entre outros, capacitará os demais profissionais da escola e da comunidade em geral, prioritariamente no próprio ambiente escolar.

Professores de sala de aula comum- O professor de sala de aula ao antecipar seu planejamento para o professor do AEE estará exercendo uma prática de compromisso com a aprendizagem de seu aluno e será extremamente importante para o professor do AEE, pois desta maneira o professor do AEE terá entendimento das tarefas a serem realizadas em sala de aula, e assim pode realizar seu trabalho de contra-turno pensando nas possibilidades de materiais tanto para uso do professor quanto para o uso do aluno. Ainda, o professor de sala de aula deve envolver o aluno nas atividades de sala de aula proporcionando condições de aprendizagem, autonomia e independência. Pensar atividades, ou seja, planejar sua aula com o olhar para as diferentes maneiras de aprender, propondo a maior variedade de atividades para um mesmo objetivo de aprendizagem.

Colegas- Os colegas de sala de aula são os parceiros de troca e precisam compreenderas habilidades e as dificuldades de seu colega com deficiência para que assim possam ter atitudes que não sejam de super-proteção, nem de infantilização, mas momentos solidários, participativos e de trocas com respeito ao ritmo deste colega, principalmente nos trabalhos em grupo e nas demais atividades curriculares. Os colegas podem incentivar o uso dos recursos de TA por parte do aluno com deficiência, como também possibilitam a ampliação das habilidades de fala/comunicação e de interação nas brincadeiras do cotidiano escolar. Os colegas proporcionam também os conflitos, os quais são naturais e necessários no processo de desenvolvimento e capacidade de resoluções de problemas.

 

O aluno com deficiência - o próprio aluno é quem precisa conduzir os profissionais demonstrando qual recurso fará a diferença para sua participação na atividade, precisa participar ativamente do AEE, descobrindo e trabalhando seus potenciais para que possa participar com condições de igualdade no ensino regular.

Familiares– são eles que possuem as informações de maneira mais articulada e com maior propriedade do desenvolvimento ao longo dos anos tanto relativas a educação quanto a saúde de seu filho, neste sentido podem disponibilizar as informações necessárias para as intervenções por parte dos profissionais tanto da saúde quanto da educação, necessitam entender o funcionamento dos recurso selecionados para uso por parte do aluno para que possam dar o apoio necessário nos momentos extra-escolares viabilizando a continuidade do processo nos demais momentos da vida do aluno.

Recursos humanos de apoio– Alguns alunos com deficiência física necessitarão apoio específico para funções básicas como por exemplo na alimentação, higiene, mobilidade, disponibilização de materiais escolares e recursos de tecnologia assistiva. O profissional de apoio deverá estar atento no sentido de propor as atividades COM e não PELO o aluno, deverá atuar garantindo a maior autonomia e autoria possível deste aluno. O profissional de apoio precisa ter a sensibilidade de estar presente e se ausentar em determinados momentos para dar o espaço necessário ao aluno, para que este enfrente desafios e se sinta motivado a se auto-desafiar. Não é atribuição do profissional de apoio substituir a função do professor regente e nem mesmo dos colegas (atividades colaborativas, recreativas, vínculos de amizade, entre outros).

Gestores escolares– Estes têm por responsabilidade a viabilização da política de inclusão em cada escola, conduzir a inserção do tema da inclusão, entre outros no Projeto Político Pedagógico – PPP, primar pelo cumprimento da legislação vigente, realizar a organização geral da escola, a gestão dos recursos financeiros disponibilizados via descentralização municipal e do Governo Federal como em ações do PDE, PDDE, etc. Garantir a declaração deste aluno no censo escolar para que recursos e equipamentos sejam destinados para sua Unidade Educativa de maneira a proporcionar maior qualidade da permanência destes alunos no ensino regular.

Gestores da Educação– promover e viabilizar as políticas de inclusão, buscando e destinando recursos financeiros para aquisição de recursos de acessibilidade e de apoio para o aluno com deficiência, garantindo que chegue para o aluno e para sua escola. Levar a compreensão da legislação vigente e viabilização da prática da mesma. Como sugestões para os gestores no âmbito municipal podemos indicar: a criação de espaço específico no organograma da secretaria de Educação. Proposição de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentária) a ser encaminhada para votação na câmara de vereadores de maneira a ter recurso para encaminhar e autorizar a compra de materiais e equipamentos para uso dos alunos com deficiência. Proposição de formações para os profissionais da educação, não somente os do AEE, mas também do ensino regular e apoios escolares, enfim a gestão da inclusão nas escolas.

Engenharia, Arquitetura, Design– na efetiva parceria com a educação, podem pensar a engenharia e o design de equipamentos, softwares, recursos de mobilidade e acessibilidade ao conhecimento, tendo com base o desenho universal, e desta maneira estarão contribuindo para a aplicação da tecnologia assistiva na escola. Faz-se urgente as prefeituras buscarem parcerias com as instituições de ensino superior, ou outros cursos técnicos para viabilizarem serviços de tecnologia assistiva mais completos, criativos e que atinjam as necessidades individuais de cada sujeito.

Profissionais de saúde/reabilitação(parcerias com serviços públicos, instituições, universidades ou com os profissionais que já atendem o aluno) – Os profissionais da saúde poderão ser solicitados a atuar a cada caso, como por exemplo, na avaliação oftalmológica para verificação de acuidade visual, prescrição de lentes e lupas; na avaliação fonoaudiológica de audição e linguagem; na avaliação da condição motora para especificação de recursos como órteses, próteses, cadeiras de rodas com adequação postural, recursos de mobilidade, entre outros. O conhecimento especializado e a prescrição correta destes recursos, sempre feita com o aluno e considerando os desafios reais do ambiente escolar, certamente trarão as condições necessárias e fundamentais para que ele se encontre disponível e em condições de participar e se desenvolver na escola.

Para concluir sabemos que, com clareza de aonde queremos chegar, é dado o momento da efetivação de nossas práticas e, para que possamos amenizar a distância entre a qualidade na educação das pessoas com deficiência que temos e a que queremos, devemos perceber que isto depende exclusivamente de cada um de nós, da mudança de nossos olhares e de nossas ações. Fazendo isso, teremos a tranquilidade de participar não apenas da nossa mudança, mas também teremos a certeza de estar contribuindo para que ocorram modificações num âmbito maior do que dentro dos muros de nossas escolas.

[1]              Supervisora de conteúdo na área de deficiência física do Curso de Especialização Lato Sensu em Atendimento Educacional Especializado da Universidade Federal do Ceará. Gestora da Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis.

[2]              Coordenadora de conteúdo na área de deficiência física do Curso de Especialização Lato Sensu em Atendimento Educacional Especializado da Universidade Federal do Ceará.

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