Integração e Inclusão
 
  • Integração x Inclusão: Escola (de qualidade) para Todos
 
  • Maria Teresa Eglér Mantoan
  • Universidade Estadual de Campinas - Faculdade de Educação
  • Departamento de Metodologia de Ensino
  • Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade - LEPED/UNICAMP
  • Agosto de 1993
   
  • Sabemos que a situação atual do atendimento às necessidades escolares da criança brasileira é responsável pelos índices assustadores de repetência e evasão no ensino fundamental. Entretanto, no imaginário social, como na cultura escolar, a incompetência de certos alunos - os pobres e os deficientes, entre outros - para enfrentar as exigências da escolaridade regular é uma crença que aparece na simplicidade das afirmações do senso comum e até mesmo em certos argumentos e interpretações teóricas sobre o tema.
 
  • Por outro lado, já se conhece o efeito solicitador do meio escolar regular no desenvolvimento de pessoas com deficiências (Mantoan:1988) e é mesmo um lugar comum afirmar-se que é preciso respeitar os educandos em sua individualidade, para não se condenar uma parte deles ao fracasso e às categorias especiais de ensino. Ainda assim, é ousado para muitos, ou melhor, para a maioria das pessoas, a idéia de que nós, os humanos, somos seres únicos, singulares e que é injusto e inadequado sermos categorizados, a qualquer pretexto!
 
  • Todavia, apesar desses e de outros contra-sensos, sabemos que é normal a presença de déficits em nossos comportamentos e em áreas de nossa atuação pessoal ou grupal, assim como em um ou outro aspecto de nosso desenvolvimento físico, social, cultural, por sermos seres perfectíveis, que constroem, pouco a pouco e, na medida do possível, condições de adaptação ao meio.
 
  • A diversidade no meio social e especialmente no ambiente escolar é fator determinante do enriquecimento das trocas, dos intercâmbios intelectuais, sociais e culturais que possam ocorrer entre os sujeitos que neles interagem.
 
  • Acreditamos que o aprimoramento da qualidade do ensino regular e a adição de princípios educacionais válidos para todos os alunos, resultarão naturalmente na inclusão escolar dos deficientes.
 
  • Em conseqüência, a educação especial adquirirá uma nova significação. Tornar-se-á uma modalidade de ensino destinada ao atendimento educacional especializado e deixará de ser substitutiva do ensino regular.
 
  • Nessa perspectiva, os desafios que temos a enfrentar são inúmeros e toda e qualquer investida no sentido de se ministrar um ensino para todos depende de ultrapassamos as condições atuais de estruturação do ensino escolar para deficientes.
 
  • Outros obstáculos à consecução de um ensino para todos, implicam a adequação de novos conhecimentos oriundos das investigações atuais em educação e de outras ciências às salas de aula, às intervenções tipicamente escolares. O paradigma vigente de educação para pessoas com deficiência é segregativo e extremamente forte e enraizado no ideário das instituições e na prática dos profissionais que atuam no ensino especial.
   
  • Integração e Inclusão
  • A indiferenciação entre os significados específicos dos processos de integração e inclusão escolar reforça ainda mais a vigência do paradigma tradicional de serviços e muitos continuam a mantê-lo, embora estejam defendendo a integração!
 
  • Ocorre que os dois vocábulos - integração e inclusão - conquanto tenham significados semelhantes, são empregados para expressar situações de inserção diferentes e têm por detrás posicionamentos divergentes para a consecução de suas metas.
 
  • Vamos analisar inicialmente o termo integração e sua aplicação ao domínio escolar.
 
  • A Integração
  • A integração escolar tem sido compreendida de diversas maneiras. O uso do vocábulo “integração” é encontrado até mesmo para designar alunos agrupados em escolas especiais para pessoas com deficiência, ou mesmo em classes especiais, grupos de lazer, residências para deficientes.
 
  • O número crescente de estudos referentes à integração escolar e o emprego generalizado do termo tem levado a muita confusão a respeito das idéias que cada caso encerra.
 
  • Por tratar-se de um constructo histórico recente, que data dos anos 60, a integração escolar sofreu a influência dos movimentos que caracterizaram e reconsideraram outras idéias, como as de escola, sociedade, educação.
 
  • Os movimentos em favor da integração de crianças com deficiência surgiram nos países nórdicos (Nirje, 1969), quando se questionaram as práticas sociais e escolares de segregação, assim como as atitudes sociais em relação às pessoas com deficiência intelectual.
 
  • A noção de base em matéria de integração é o princípio de normalização, que não sendo específico da vida escolar, atinge o conjunto de manifestações e atividades humanas e todas as etapas da vida das pessoas, sejam elas afetadas ou não por uma incapacidade, dificuldade ou inadaptação.
 
  • A normalização visa tornar accessível às pessoas socialmente desvalorizadas condições e modelos de vida análogos aos que são disponíveis de um modo geral ao conjunto de pessoas de um dado meio ou sociedade; implica a adoção de um novo paradigma de entendimento das relações entre as pessoas fazendo-se acompanhar de medidas que objetivam a eliminação de toda e qualquer forma de rotulação.
 
  • Integrar-se no mainstreaming, ou seja, na “corrente principal” é fazer parte do alunado escolar, ou seja, ter acesso à educação. Pela integração escolar, o aluno tem acesso às escolas através de um leque de possibilidades educacionais, que vai da inserção às salas de aula do ensino regular ao ensino em escolas especiais.
 
  • O processo de integração se traduz por uma estrutura educacional intitulada sistema de cascata, que oferece ao aluno a oportunidade, em todas as etapas da integração, de transitar no sistema escolar, da classe regular ao ensino especial. Trata-se de uma concepção de inserção parcial, porque a cascata prevê serviços segregados.
 
  • Os alunos que se encontram em serviços segregados muito raramente se deslocam para os menos segregados e, raramente, às classes regulares.
 
  • A crítica mais forte ao sistema de cascata e às políticas de integração desse tipo recai sobre a afirmação de que a escola oculta seu fracasso, isolando os alunos e só integrando os que não constituem um desafio à sua competência ( Doré et alii.,1996).
 
  • Nas situações de integração, nem todos os alunos cabem e os elegíveis para a inserção no ensino regular são os que foram avaliados por instrumentos e profissionais supostamente objetivos.
 
  • O sistema se baseia na individualização dos programas instrucionais, os quais devem se adaptar às necessidades de cada um dos alunos, com deficiência ou não.
 
  • A Inclusão
  • A outra opção de inserção é a inclusão, que questiona não somente as políticas e a organização da educação especial e regular, mas também o conceito de integração.
 
  • A noção de inclusão é incompatível com a de integração e institue a inserção escolar de forma radical, completa e sistemática.
 
  • O conceito se refere à vida social e educativa e todos os alunos, sem exceções, devem freqüentar as salas de aula do ensino regular.
 
  • O vocábulo “integração” é substituído, uma vez que o objetivo da integração escolar é inserir um aluno ou um grupo de alunos que já foram anteriormente excluídos.
 
  • A meta primordial da inclusão, ao contrário, é a de não deixar ninguém no exterior do ensino regular, desde o começo.
 
  • As escolas inclusivas propõem um modo de organização do sistema educacional que considera as necessidades de todos os alunos e que é estruturado em função dessas necessidades.
 
  • A inclusão causa uma mudança de perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar somente os alunos que apresentam dificuldades na escola, mas apóia a todos: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral.
 
  • O impacto desta concepção é considerável, porque ela supõe a abolição completa dos serviços segregados (Doré et alii. 1996).
 
  • A metáfora da inclusão é a do caleidoscópio. Esta imagem foi muito bem descrita no que segue:
 
  • “O caleidoscópio precisa de todos os pedaços que o compõem. Quando se retira pedaços dele, o desenho se torna menos complexo, menos rico. As crianças se desenvolvem, aprendem e evoluem melhor em um ambiente rico e variado” (Forest et Lusthaus, 1987 : 6).
 
  • A inclusão propicia a criação de inúmeras maneiras de se ministrar a educação escolar a alunos com deficiência, nos sistemas de ensino regular, como as “escolas heterogêneas” (Falvey et alii., 1989), as “escolas acolhedoras” (Purkey et Novak, 1984), os “currículos centrados na comunidade” (Peterson et alii.,1992), as “escolas abertas ás diferenças” ( Mantoan, 1993) e outras.
 
  • Resumindo, a integração escolar, cuja metáfora é a cascata, é uma forma condicional de inserção em que vai depender do aluno, ou seja, do nível de sua capacidade de adaptação às opções do sistema escolar, a sua integração, seja em uma sala regular, uma classe especial, ou mesmo em instituições especializadas. Trata-se de uma alternativa em que quase tudo se mantém, quase nada se questiona do esquema escolar em vigor.
 
  • Ja a inclusão institui a inserção de forma incondicional, radical, uma vez que o objetivo é incluir um aluno ou grupo de alunos que não foram anteriormente excluídos.
 
  • A meta da inclusão é, desde o início, não deixar ninguém fora do sistema escolar, o qual terá de se adaptar às particularidades de todos os alunos para concretizar a sua metáfora - o caleidoscópio.
 
  • Mudam as escolas e não os alunos, para terem o direito a freqüentas-la, nas salas de aulas do ensino regular.
 
  • Considerações finais
  • A inclusão se concilia com uma educação para todos e com um ensino especializado no aluno, e não se consegue implantar uma opção de inserção tão revolucionária sem enfrentar um desafio ainda maior , ou seja, o que recai sobre o fator humano.
 
  • Os recursos físicos e os meios materiais para a efetivação de um processo escolar de qualidade cedem sua prioridade ao desenvolvimento de novas atitudes e formas de interação, na escola, exigindo mudanças no relacionamento pessoal e social e na maneira de se efetivar os processos de ensino e aprendizagem.
 
  • Nesse contexto, a formação do pessoal envolvido com a educação é de fundamental importância, assim como a assistência às famílias, enfim, uma sustentação aos que estarão diretamente implicados com as mudanças é condição necessária para que estas não sejam impostas, mas imponham-se como resultado de uma consciência cada vez mais evoluída de educação e de desenvolvimento humano.
     
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