- O Transtorno do Espectro Autista é uma condição caracterizada por um conjunto sintomático. Isto porque não conhecemos ainda com exatidão as causas etiológicas que o definem, ou seja, quais são os marcadores que estão presentes em uma pessoa com autismo. No entanto, hoje já temos diversos conteúdos importantes a pronunciar. Na maior parte das vezes o autismo é genético, ou seja, decorre da carga genética de seus pais ou é uma mutação genética ocorrida na própria criança. Estudos recentes apontam o impacto genético no desenvolvimento entre 80 e 90%. Pesquisa recente informou este percentual em 83% (SANDIN, et al., 2017). Mas embora haja esta forte presença genética, nem sempre o autismo se desenvolve no sujeito, é preciso também situações ambientais para que possamos dizer que se trata de uma criança com TEA. Mas é muito importante ressaltar que este “ambiente” de que falamos nada tem a ver com o afeto dos pais ou a relação com as pessoas, mas sim o ambiente de dentro do útero e talvez o processo de parto.
- Mas antes de apresentar duas grandes pesquisas que fizeram um amplo levantamento sobre o tema, é preciso antes elucidar um ponto fundamental, que é a distinção entre as relações de causação e de correlação ou associação. Nós sabemos que o autismo, quase sempre, possui CAUSA genética1 , isto, alguma alteração no DNA produz uma alteração no sujeito de tal forma que, no ambiente médio, ele se comporta de modo que é classificado, pelo DSM-V, como dentro do Transtorno do Espectro Autista. No entanto, existem outras coisas que podem ser afetadas por uma mesma causa e quando descobrimos um fator que esteja ASSOCIADO isto não significa que ele seja o causador. Por exemplo, uma parte das pesquisas afirma que partos muito prematuros estão associados a uma maior incidência para o TEA.
- Dizer que entre as crianças nascidas prematuramente, há um índice maior de pessoas com autismo do que entre aquelas que nasceram no tempo correto. No entanto, não é possível dizer que nascer prematuramente CAUSA autismo, mas que está associado, seja porque cause (e ainda estamos longe de conhecer bem as causas não genéticas), seja porque alguma coisa, ainda desconhecida, causou o autismo e também causou ou favoreceu a prematuridade do parto. Além do mais, mesmo pesquisas de associação apresentam imensas dificuldades financeiras e metodológicas de realização, devido à escala e a necessidade longitudinal de acompanhamento dos casos para afirmar que a criança está no espectro autista, isto é, para eu saber se certo fator está ou não associado ao TEA é preciso saber que crianças desenvolveram ou não, os prejuízos próprios do autismo, que só é possível as acompanhando durante anos.
- Um dos elementos que aparecem como associados ao TEA são os medicamentos antiepiléticos. Embora não esteja discriminado na tabela, o principal deles, na correlação com autismo é o Ácido Valpróico, tomado em geral por pessoas. Esses eventos ambientais que podem servir de gatilho para que a base genética do autismo seja ativada estão sendo largamente estudados em todo o mundo. Outro elemento controverso que apareceu em um dos estudos é a questão do uso de antidepressivos por parte da mãe, que é um fator em discussão, uma vez que é muito difícil distinguir se o pequeno aumento de prevalência do TEA nestas mães é decorrente do remédio ou da própria depressão, o pêndulo aponta, neste momento, mais para que seja a própria depressão, embora sem unanimidade, para as causas e apontando para a possibilidade de cura, no futuro. E a grande corrida era para a descoberta do gene do autismo.
- Esta corrida, que tem o brasileiro Alysson Muotri, Ph.D, Prof. da Universidade da Califórnia (e que também é um pai do autismo), como um dos líderes (para uma aproximação com o trabalho de Muotri,cf Muotri e Gage, 2006; Chailanhkarn, Acab e Muotri, 2012; Acab e Muotri, 2015; Muotri, 2016; Beltrão-Braga e Muotri, 2017), já foram identificados mais de mil genes que estão de alguma maneira associados ao autismo, ou seja, a questão é muito mais complexa do que se imaginava e estamos ainda longe de uma compreensão que possa ser chamada de completa. Ainda assim, é comum que pessoas com TEA façam exame de sequenciamento genético completo e algumas vias metabólicas já são conhecidas (cerca de 1% delas), podendo receber um tratamento medicamentoso ou de suplementação bem efetivo. A grande maioria, contudo, ainda não consegue ver resultados clínicos deste campo de pesquisa gigantesco. O Prof. Alysson Muotri vem desenvolvendo pesquisas com minicérebros (ACAB e MUOTRI, 2015). O que é isso? Colhe-se células de uma pessoa, que são quimicamente regredidas até virarem células-tronco e depois são quimicamente envelhecidas até se especializarem e tornarem-se células de todos os tipos, inclusive neurônios, que são separados e estudados por Muotri em seu laboratório, ele as testa com drogas para compreender como, potencialmente, o cérebro da pessoa com autismo reagiria a essas drogas (com alguns resultados próximos à normalização em algumas variações do autismo), dando início, já, há alguns estudos clínicos com algumas drogas.
- Algumas coisas importantes e que, infelizmente, ainda devem ser repetidas, é que vacina não causa autismo, isto é um dado definitivo, os estudos demonstraram de maneira inquestionável que uma coisa nada tem com a outra. Todos os boatos neste sentido vêm de um estudo publicado na década de 1990 no jornal científico Lancet, mas que foi “despublicado” após descobrir-se que o autor havia falsificado dados, patenteado uma vacina diferente, que desejava comercializar e, além disso, havia recebido propina de uma firma de advogados que possuía um processo contra empresas de vacina. Ou seja, os dados publicados eram todos falsos, propositalmente inventados para finalidades nada nobres (DONVAN e ZUCKER, 2017). Muitas outras coisas foram falsamente apontadas como causas para o autismo, tais como o timerosal (o mercúrio das vacinas), metais pesados, vermes, entre muitos mitos que sobrevivem à era da informação, algumas vezes com um vigor impressionante.
- fonte - Transtorno do espectro autista: uma brevíssima introdução/Lucelmo Lacerda
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